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Nota pública sobre as eleições presidenciais de 2018

Nota pública sobre as eleições presidenciais de 2018

Nota pública sobre as eleições presidenciais de 2018
Em defesa da liberdade de expressão e do direito à comunicação
Considerando o resultado do 2º turno das eleições, o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social vem a público manifestar profunda preocupação com a opção feita pela maioria dos brasileiros/as que foram às urnas neste domingo, 28 de outubro, e que elegeram Jair Bolsonaro (PSL) para a Presidência da República.

É de conhecimento público que o Presidente eleito protagonizou reiteradas declarações de cunho racista, misógino e lgbtfóbico. E que defende, abertamente, a ditadura civil-militar instaurada no país entre 1964 e 1985. Ainda como deputado federal e depois como candidato, Jair Bolsonaro não se constrangeu ao apresentar como ídolo o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-CODI do II Exército e primeiro militar condenado pela Justiça brasileira pela prática de tortura. Falas suas defendendo a tortura com método estão disponíveis em qualquer busca nas redes digitais.

Bolsonaro também manifestou seu posicionamento contrário ao ativismo político, prometeu acabar com a livre organização de ONGs e banir do país seus opositores. O ativismo político é prática salutar e legítima nas democracias. É a partir dele que a sociedade civil se organiza para participar da vida política do país e contribuir na melhoria na qualidade de vida dos cidadãos, em diferentes agendas como saúde, educação, meio ambiente, moradia, entre tantas outras. Impedir o ativismo é censurar a própria sociedade e impedir sua organização.

Assim, enquanto organização que, há 15 anos, atua na defesa da liberdade de expressão e da manifestação política e pela efetivação do direito à comunicação, em compromisso com a consolidação da democracia e a promoção da dignidade humana, o Intervozes considera que a eleição de Jair Bolsonaro impõe diversos e complexos desafios para o nosso campo.

Em primeiro lugar, o Presidente eleito não tem um histórico de respeito à atuação da imprensa e dos comunicadores em geral. São diversos os casos de agressão a jornalistas denunciados por órgãos como a Fenaj, o FNDC e a Abraji nos últimos anos, praticados por ele, seus assessores e apoiadores, como alertamos durante o processo eleitoral. A violência contra quem se propõe a apurar fatos e levá-los à população é uma violência contra a democracia, e não pode ser ignorada.

Nas primeiras entrevistas concedidas depois de eleito, Bolsonaro sinalizou o uso das verbas publicitárias oficiais como instrumento de compra e retribuição de apoio político e punição a veículos críticos, em detrimento dos critérios técnicos historicamente adotados.

Preocupa-nos também a declaração do Presidente eleito sobre a intenção de privatizar todas as empresas públicas brasileiras, o que inclui a EBC – Empresa Brasil de Comunicação, experiência nova de comunicação pública vivida pelo Brasil e que precisa ser valorizada e aperfeiçoada, e não entregue ao capital privado. Nesta segunda-feira (29/10), Bolsonaro falou explicitamente em fechar a EBC. O Intervozes defende a comunicação pública como necessária em um país democrático, como prevê a nossa Constituição, que estabelece a complementariedade entre os sistemas público, privado e estatal de radiodifusão.

A visão de Bolsonaro e sua equipe sobre as políticas públicas de comunicação é outro aspecto a se considerar. Seu programa de governo ignora totalmente o tema. Em declarações públicas, o agora Presidente da República mostrou desconhecimento sobre mecanismos de regulação democrática e combate à concentração da mídia, existentes há décadas em países como França, Estados Unidos, Alemanha, Japão, Canadá etc. Numa postura contraditória, por um lado comparava a luta histórica dos movimentos pela democratização da comunicação com tentativas de censura e, por outro, valia-se de relações próximas com donos de grandes empresas concessionárias de rádio e TV para receber tratamento privilegiado e ilegal durante a campanha.

Por fim, a opinião do candidato, que desde 2014 coloca-se contrário ao Marco Civil da Internet – lei que se tornou referência mundial na garantia de direitos como acesso, privacidade e liberdade de expressão nas redes – também deixa-nos alertas. Após um processo eleitoral marcado pelo uso ilegal de dados pessoais dos usuários de Internet e pela disseminação massiva – ainda não responsabilizada pela Justiça – de desinformação, notícias falsas, calúnias e difamação nas redes, é fundamental que a sociedade civil atente para as ameaças de violação aos direitos digitais dos cidadãos que podem se multiplicar.

Esperamos, assim, que o novo governo respeite a Constituição Federal de 1988, garantindo a liberdade de expressão, o direito à organização e à livre manifestação do pensamento e todos os demais direitos fundamentais que constam no Art. 5º da nossa Carta Magna. Esperamos, ainda, que o Brasil mantenha-se em linha com os tratados e convenções internacionais, ratificados pelo país no âmbito de organismos multilaterais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA), respeitando, em especial, o compromisso com o princípio da não regressividade dos direitos humanos.

Ao lado de centenas de organizações e movimentos populares que se guiam pela defesa desses direitos, o Intervozes se manterá vigilante, nas redes e nas ruas, em defesa de nossas liberdades e da democracia. Seguiremos alertas ainda à atuação dos meios de comunicação, que tanto contribuíram – por ação ou omissão – com o ascenso da extrema-direita no país. Não abrimos mão da liberdade de expressão de todos os brasileiros e brasileiras. Calar jamais!

Brasil, 30 de outubro de 2018.